Além da Nota: O Silêncio que Fala Mais Alto que as Palavras no Combate à Violência contra a Mulher

29/08/2025

Enquanto Secretaria da Mulher se apega a tecnicismos, movimento social expõe a crise de efetividade das políticas públicas em caso de violência envolvendo agente político 

Um caso de violência supostamente praticada por um vereador no município de Eliseu Martins, no Piauí (já tratado aqui), tornou-se o epicentro de um embate revelador sobre o verdadeiro papel das instituições criadas para defender os direitos das mulheres. De um lado, o Grupo Beldades, um movimento de mulheres local, queixa-se do silêncio e da inércia do poder público. Do outro, a Secretaria da Mulher emite uma nota de esclarecimento técnica, defensiva e, na visão de especialistas, profundamente desconectada da realidade que pretende enfrentar.

Após a ampla divulgação do caso pelo Grupo Beldades, a Secretaria respondeu, em nota, aos questionamentos:

Inicialmente, uma análise superficial da nota da Secretaria poderia até absolvê-la de culpa formal. O texto é juridicamente impecável: delimita com clareza que a função de investigar e punir crimes é da polícia e do judiciário, conforme a Lei Maria da Penha. Afirma, com razão, que a culpabilização da vítima ou da instituição de defesa é um erro e um reflexo da sociedade machista. Reforça seu compromisso com a prevenção e o acolhimento. Sob uma lógica estritamente institucional, a Secretaria parece estar correta em rebater as críticas.

No entanto, é na segunda camada de análise que a crise se revela. A postagem do Grupo Beldades não é um ataque ignorante às atribuições legais; é um grito de desespero contra a ausência de voz e ação da Secretaria diante de um caso concreto, emblemático e especialmente simbólico. A crítica central não é "por que a Secretaria não prendeu o homem?", mas sim "por que a Secretaria se calou?".

O contexto é tudo. O crime ocorreu e veio à tona durante o Agosto Lilás, mês nacional de conscientização e combate à violência contra a mulher. Este não é um mês qualquer. É um período dedicado exclusivamente à visibilidade, à fala, à quebra do silêncio. É a época do ano em que a Secretaria deveria estar no seu ápice de atividade midiática e política, puxando corajosamente debates e enfrentamentos.

A inércia da Secretaria, portanto, não foi apenas uma falta de posicionamento; foi uma contradição gritante com sua própria razão de existir. Enquanto a instituição que deveria liderar a pauta permaneceu em silêncio, um grupo de mulheres precisou tomar a frente para fazer ecoar a indignação. A nota de repúdio do Grupo Beldades não é um desvio de foco, como insinuou a Secretaria; é, na verdade, a execução prática da função que a Secretaria negligenciou: dar um nome à violência, repudiá-la publicamente e exigir ação do Estado.

A resposta oficial, ao falhar em:

  1. Reconhecer o caso específico;

  2. Solidarizar-se publicamente com a vítima;

  3. Esclarecer que ação concreta, se alguma, tomou;

  4. Liderar o debate durante o próprio mês temático dedicado ao assunto;

acabou por validar a acusação mais grave do movimento: a de ser uma secretaria "de enfeite". A nota técnica, sem coração, sem conexão com o fato e sem autocrítica, serve apenas para proteger a instituição dentro de suas quatro paredes, abandonando as mulheres na rua.

Esta matéria não discute apenas um caso isolado em Eliseu Martins. Ela expõe uma armadilha comum na gestão pública: a ditadura do técnico sobre o político. Órgãos são criados para cumprir uma função social complexa, que exige sensibilidade, comunicação e liderança. Quando se escondem atrás de manuais e portarias, perdendo a capacidade de se indignar, de se comover e de se fazer presente quando mais importa, eles falham em sua missão essencial.

A verdadeira lição desse embate é que combater a violência contra a mulher exige mais do que leis bem redigidas e estruturas organizacionais definidas. Exige presença. Exige voz. Exige coragem política para nomear os agressores, especialmente quando eles ocupam posições de poder. O Grupo Beldades, com sua nota crua e direta, entendeu isso melhor do que a Secretaria da Mulher com toda a sua assessoria jurídica. O silêncio delas, ao contrário do silêncio da Secretaria, foi rompido pelo som necessário da denúncia.